Thursday, October 30, 2008

Caso 59...

Cornélia tinha um sonho. Aliás. Tinha dois! Mas um deles não posso partilhar com os meus cândidos alunos, por respeito pela privacidade da nossa amiga e donzela. O sonho de Cornélia que posso partilhar com os meus alunos, era morar em Praga. Desde a sua adolescência, quando se apaixonou pelas linhas de Milan Kundera, que carregou consigo o desejo oculto de viver um ano na deslumbrante cidade de Praga, passear nas margens do rio Vltava, de mão da dada, com o dono do seu coração.
Começou a trabalhar logo que a idade lhe permitiu, amealhando todos os parcos salários, para juntando as moedinhas, custear a viagem. E quando se preparava para ir, o mundo descambou sobre ela. Uma Portaria do Ministro dos Assuntos Desinteressantes, determinou que a maioridade passava para os vinte e um anos, sendo que, ela não podia sair do País sem autorização dos pais. E jamais o pai a ia autorizar. O pai de Cornélia, Hermenegildo, Gildozinho para os mais íntimos, era um homem muito severo e tradicional, com regras muito rígidas, um verdadeiro energúmeno, se o eufemismo me é permitido. Gildozinho, que nunca saíra da sua Aldeia – excepto uma tarde que veio a Beja ao calista – crescera com a enraizada convicção de que as mulheres nunca deveriam sair do Pais, excepto com os maridos ou com os pais. Mais. Na sua aldeia, era considerado obrigatório pela população, que todas as meninas deviam passar na aldeia a primeira noite de lua cheia, de forma a preservarem a virgindade, pelo que, para o pai da nossa heroína, era impossível permitir que a sua casta filha, fosse para uma cidade com nome de perdição.
Cornélia ficou tão melancólica por o seu sonho ter sido adiado, que deixou de ver noticias e os programas da Teresa Guilherme. Por isso, não teve conhecimento de que o Decreto-Lei 110/08 de 25 de Outubro proibia as mulheres muçulmanas de votar, nem que um Regulamento Europeu determinou a licitude do casamento poligâmico. Mas, mais importante que tudo isto, Cornélia passou semanas sem ver reality shows na televisão, o que lhe trouxe imensos problemas de socialização e de integração no seu grupo de amigos, sendo hoje uma menina triste que gosta de ler, ver cinema europeu e tem a distinta lata de não beber, não consumir drogas nem comer hambúrgueres.
Quis Juris


Monday, October 27, 2008

Caso 58 (Turismo-Avaliação)

Amadeo(u) de Sousa Cardoso
Cornélia é aquilo a que o povo chama uma mulher fatal. Sorriso tenro de menina abandonada, um olhar que mistura ternura com violência erógena, desarma-nos com a candura das suas palavras, o seu jeito meloso de falar, com a inocência culpada que nos faz caminhar alegremente para o precipício, bem cientes da nossa ignorância. Cornélia nasceu no meio da natureza, cresceu correndo livremente nos campos puros de uma paisagem angelical, onde todos os sonhos ficavam demasiado longe, pelo que, terminado o décimo segundo ano, rumou para uma cidade pequena, que para ela era enorme.
Na aldeia onde nasceu, existia a secular tradição, em todos os verões, nas noites de lua cheia, queimar vivo um gato, que depois de grelhado, era repartido por todos, apesar dos protestos dos defensores dos animais, que colhiam a indiferença dos habitantes da pequena e esquecida aldeia, porquanto estes acreditavam ferozmente que a morte do gato era necessária para garantir um bom ano agrícola.
A melhor amiga de Cornélia, companheiras de sempre desde a terna e inocente meninice, é Genoveva, que desde há três anos partilha a vida com Miranda, paixão insana que nasceu nos campos onde iam passear o gado, num famoso monte, debaixo do conhecido chaparro de Brokeback Montanha.
Naquela triste e leda madrugada, Genoveva esta em pânico, porquanto uma Directiva comunitária que devia ter sido transposta até Setembro deste ano, tinha disposto que, “as leis nacionais teriam de revogar todos os benefícios fiscais a casais homossexuais”, dispondo de forma contrária ao Lei 07/01 de 11 de Maio. Pior ainda: a Lei 10/08 de 30 de Outubro, dispõe que a homossexualidade é punida com pena de prisão até três anos.
Quis Juris

Friday, October 10, 2008

Caso 57 (Turismo)

A Florianabela é uma menina pura e angelical, que não se cansa de cantar que “pobres dos ricos, que tanto têm, p’ra que é que serve tanto dinheiro, pois faltam sonhos, falta vontade, falta o tempo e a liberdade, vivem com medo de perder algo, muita arrogância e muita ganância, falta o tempo e a esperança”. Florianabela é é feliz, apesar de não ter nada, mas tendo, tendo tudo, porque é rica em sonhos, e pobre, pobre em ouro.
Mas um dia a mãe ficou muito doente: sendo verdade que só por ter dinheiro, não compra amigos, estrelas, um amor verdadeiro, é igualmente verdade que a pureza dos sentimentos, não pagam a conta do hospital. Na aldeia onde Florianabela tinha crescido existia uma tradição muito antiga, repetida ao longo de gerações, por todos os seus habitantes, que dizia que se numa noite de lua cheia uma jovem menina lavasse os pés ao senhor mais idoso da vila, poderia ficar com a casa dele. Florianabela, esperou por uma noite de deslumbrante luar, lavou os pés ao Senhor Berimbaldo e exigiu a casa, que tencionava vender, para pagar a operação da sua mãe.
Mas o amor da vida de Florianabela é Estrelita: por viverem como um casal há mais de dois anos, candidataram-se para adoptar duas crianças, ao abrigo do Decreto-Lei 101/08 de 13 de Outubro de 08, que disponha no artigo 2º: “as mulheres que vivam maritalmente há mais de dois anos, podem adoptar crianças, porquanto, se a afectividade de uma mulher é enorme, de duas será ainda mais intensa”.
Quid Juris
(adaptado de um caso interior…)