Monday, November 24, 2008

Caso 65



Beduína era realmente feia. Não que isso seja um defeito ou um problema, mas, se havia característica que a definisse era a fealdade. Na escola primária, quando com os coleguinhas de turma fizeram teatro amador, a peça escolhida foi O Capuchinho Vermelho, tendo Beduína representado o papel de Lobo Mau! Era tão trágico o seu aspecto, que a Professora decidiu que seria a única menina a não usar máscara, porquanto, o seu rosto natural era perfeito para o papel escolhido.
Mas tudo na vida é eterno apenas enquanto dura; quando a adolescência se cruzou com Beduína, ofereceu-lhe formas de pecado, um olhar de anjo diabólico, um sorriso perfeito num rosto, que de tão feio ficou belíssimo; farta dos maus tratos domésticos, aos quinze anos começou a viver com o tio Julião. Essa paixão durou três primaveras e terminou de forma abrupta. Beduína, fêmea instável, apesar de heterossexual “apaixonou-se” por Francisquinha, uma octogenária senhor rica, com quem viveu um fingido amor, por vinte e dois meses, até Fracisquinha sucumbir de ataque cardíaco, para mal disfarçada alegria de Beduína, cuja verdadeira paixão era o dinheiro da caquéctica idosa.
Nesta altura Beduína estava próxima da perfeição, com os seus vinte e dois anos, apaixonada por si e pela vida, sobretudo por estudar Direito da Família. E gostou tanto que decidiu casar! Escolheu Gertúlio, carismático empresário nocturno, especialista em negócios ilícitos, pai de Juvenal, fruto de uma paixão de Verão na Jamaica, com Lourdes, o grande amor da vida de Gertúlio, uma paixão de Verão esquecida de enterrar na areia, que resultou num casamento nas praias da Jamaica, casamento que nunca Gertúlio teve coragem de se divorciar. Nem Lourdes, que depois da primeira grande sova que levou, fugiu para nunca mais regressar!

O amor de Gertúlio e Beduína era honesto e quase puro: nenhum dos dois gostava do outro, mas ela era louca pelo dinheiro dele e ele louco por a desfilar nos seus estabelecimentos nocturnos. E durante cinco anos tudo correu bem. Até aquela fatídica noite. Era a passagem de ano de 2008 para 2009, quando a tragédia ocorreu. Esta frio. O que não é estranho, porque a história acontece no mês de Dezembro e em Dezembro faz frio. Excepto em alguns países, onde o Verão é no nosso Inverno e o Inverno deles no nosso Verão. E qual a pertinência desta informação para este exame? Absolutamente nenhuma, mas, foi tão fatídica aquela noite que faço uma pausa dramática. Na mesmíssima noite em que a Policia Judiciária invadiu todos os bares de Gertúlio, procurando drogas e mulheres ilegais, Beduína infiltrou-se na cama do enteado Juvenal, conhecendo nos braços dele o verdadeiro amor. Fugiram na manha seguinte com o desejo de se casaram o mais rapidamente possível, apesar de Beduina ignorar como seria possível o divórcio. Para trás, deixou o marido preso, um carro por pagar, dividas contraídas no jogo e um anel de diamantes que ofereceu a Juvenal, na primeira manhã, daquele dia que foi o primeiro do resto da sua vida. Ou não. Porque a linda menina feia é demasiado instável para poder dizer sem mentir, que será para o resto da vida…
Quid Juris

Thursday, November 20, 2008

Caso 64 (Direito da Família - Avaliação)



Cornélia acordou sobressaltada com a notícia que ouviu na rádio, logo nas primeiras horas da manhã, quando a penumbra do recente sono retira o discernimento. Um regulamente comunitário determinou que apenas seria possível o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, justificando a opção com o facto de procurar diminuir o número de divórcio e procurar impedir a violência doméstica.
O drama de Cornélia era que desde petiza que carregava o sonho de casar, num deslumbrante e discreto vestido cor-de-rosa, com folhos vermelhos num amoroso véu cor-de-laranja; não casar por casar, mas casar com Bruno, o seu primo, por quem sempre foi perdidamente enamorada. Aliás, a sua família era de tal forma unida, que inúmeras vezes casaram entre si.
Ela própria era filha de Bernardinho e Bernardete, respectivamente tio e sobrinha, que casaram há anos nas praias da República Dominicana. E viveram um intenso amor infeliz: amor intenso porque vinte anos depois continuam destrutivamente apaixonados, infeliz, porque apesar do amor que os une, sempre tiveram uma péssima relação pessoal, uma exaltação intensa que apenas acalmam no leito conjugal. Apesar de não gostar de ser bisbilhoteiro, de preservar a intimidade do casal, confidencio com o meu bom aluno, a razão das constantes discussões do casal: Berbardinho, amava terrivelmente Bernardete, mas não tanto que o fizesse resistir ao prazer do álcool. E de outras mulheres, quando embriagado perdia o norte a razão e o sentido, entregando-se aos prazeres fáceis de mulheres de ocasião. Algo que era do conhecimento de toda a pequena cidade!
Bernardete sofria em silêncios estas traições: mas não calou o seu tormento quando além do álcool e cheiros de perfumes baratos, o seu marido começou a trazer dívidas para casa! Começou com as dividas num Hipermercado, quando numa tarde se lembrou de comprar seis novos electrodomésticos para a casa, mais as dívidas no bar que frequentava, na Ourivesaria, quando após uma discussão lhe ofereceu um diamante, para terminar, com a compra de um carro para Genoveva, mulher, que segundo as más línguas, se deitavam com homens casados. Mas o que fez Bernardete perder a cabeça, foi o padeiro. Encantou-se com o senhor que lhe amassa o pão e decidiu que na noite de consoada, já não iria continuar casada com Bernardinho.
E não duvide o meu bom aluno que o fará, porquanto é uma mulher determinada: mesmo sem respeitar o prazo inter-nupcial, vai terminar o casamento e juntar-se com o padeiro, entregando-se-lhe, pela primeira vez, na noite em que se celebra o menino Jesus. E, com toda a certeza, irão os dois tentar adoptar uma criança.
Quid Juris

Caso 63

Quando Derek "McDreamy" Shepherd vendeu o seu computador, o comprador pagou com cheque. Quando do Banco ligaram a dizer que o cheque não tinha sido pago por falta de provisão, "McDreamy” ficou apavorado, ignorando se o cheque não tinha sido pago por o comprador não ter saldo ou porque o Banco não tinha.
McDreamy era quase completamente apaixonado por Meredith Grey; dizemos quase completamente, porque importa deixar claro que McDreamy é um homem e como tal incapaz de se entregar plenamente aos seus sentimentos.
Ambos trabalham no hospital cirúrgico Beja Grace e são devotos da sua profissão. Tão crentes no Deus da ciência, que desde sempre, fizeram aquilo que viram outros cirurgiões fazer e acham que estão obrigados: ainda que um doente, maior de idade, peça por escrito que não quer ser operado, McDreamy e Meredith operam-no, sempre que seja possível salvar-lhes a vida ou prolongá-la.
Mas Meredith vive um drama interior, que esconde das amigas Izzie e Cristina. Apesar da paixão insana que sente por McDreamy sente uma inusitada atracção por Addison, também médica, colega no hospital e ainda casada com McDreamy.
E qual a relação desta dualidade amorosa de Meredith com o presente caso prático? Absolutamente nenhuma, mas apeteceu-me escrever isto!
Realmente pertinente é o facto de um Regulamento Comunitário impor que só será admissível o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo, como forma de procurar evitar a violência doméstica e combater o número crescente de divórcio. Mais. O Decreto-Lei 190/08 de 19 de Novembro determina que os divorciados estão impedidos de votar nas próximas eleições autárquicas.
Quis Juris


Tuesday, November 18, 2008

Caso 62 (Turismo - Avaliação/Recuperação)

Estava uma noite fria de Dezembro, onde uma lua cheia deslumbrantemente bela engalanava os céus, brincando às escondidas com as nuvens, deixando-se observar por uns segundos, para logo se esconder no breu de uma noite solitária. Cristiana estava deitada no sofá da sala, lareira acesa, ouvindo a crepitar da lenha de azinho a tornar-se fogo, num ambiente de pecado. E Cristiana não resistiu, deixando-se conspurcar no pecado da gula, comendo, sozinha, repentina, todo um imenso brigadeiro de chocolate, comprando horas antes num supermercado da cidade. E depois, fez o que sempre faz, ou, pelo menos, o que se habitou a fazer nos últimos dois anos: colocou os dedos na boca e vomitou tudo o que havia ingerido, na obsessão de manter o peso que achava ideal, completamente absorta para o facto de sofrer de magreza extrema, de ser apenas um corpo de ossos, que perdeu formas e formosura.
Cristiana chorava, por razões que escondia do mundo. Do seu pequeno mundo. Cresceu com a convicção de que a virgindade era uma obrigação de conservar ao casamento e culpava-se por naquela noite de copos, ter consentido que Francisco lhe colocasse um comprimido na cerveja, que a fez perder os sentidos e, mais tarde, num sórdido sótão a sua imaculada pureza. O que para o resto do mundo era uma banalidade, era para ela uma desgraça: quando nasceu, os pais prometeram-na em casamento ao filho do patrão e a virgindade era requisito obrigatório para o casamento se realizar. Um casamento que ela fugia: mas na sua aldeia, o desejo da mulher era uma frivolidade, sendo ancestral o hábito dos pais combinarem os casamentos.
O sonho de Cristiana – embora Cristiana soubesse que não podia sonhar – era abrir uma empresa de desportos radicais! Sonho que temia ser impossível, porque o Decreto-Lei 111/08 de 18 de Novembro de 2008 proibia que os cidadãos nacionais ou residentes em Portugal de terem empresas, só sendo possível o Estado dedicar-se à actividade económica.
Ainda por cima, temia ser presa, porquanto uma Directiva Comunitária, que devia ter sido transcrita até Outubro do presente ano, punia com pena de prisão, quem se recusasse a ir à Missa ao Domingo. E Cristiana não conseguia entrar numa Igreja, apesar de ser devota. Porque o segredo que Cristiana escondia é o facto de Francisco ser o seu padre e confessor…
Quid Juris


Monday, November 10, 2008

Caso 61 (Direito da Familia)

Gertulio era um trolha da Ariosa, bonito e bom rapaz, pleno de charme rural e um olhar de peixe fresco, mistura de carapau com sardinha, num sorriso de robalo, com um odor coincidente.
O maior prazer na vida de Gertulio é dar umas belas porradas na sua amada mulher Engrácia. Não que o fizesse por mal; boa parte das vezes, até se arrependia, para semanas volvidas, quando o álcool lhe roubava o pouco discernimento, regressar embriagado a casa e presentear a mãe dos seus filhos, com mais uns delicados murros e uns amorosos estalos!
Engrácia estava ensinada a não se queixar muito. Assistiu ao caso da sua querida irmã, Marinalva, que morreu, após uma derrota do Benfica, com um tacho na cabeça. Em tribunal, porque não se provou a culpa do seu marido, Hermenegildo, este ficou em liberdade. E carente: tão carente que quer casar com a filha da sua falecida mulher!
Quid Juris

Tuesday, November 04, 2008

Caso 60 (Direito da Família)




Dadinho tinha duas paixões na vida: animais selvagens e a sua sobrinha Estefânia. Apesar de a sua vida profissional o levar aos mais recônditos locais do mundo, todos os meses regressava à sua aldeia natal para um jantar de família. E para ir caçar gambuzinos. Era tão grande a sua paixão por Estefânia, que no dia do seu décimo oitava aniversário, ofereceu-lhe uma viagem para duas pessoas a Barbados. Sendo ele a outra pessoa! O hotel era paradisíaco, a praia divinal, a gastronomia excelente. Comeram, beberam, dançaram, divertiram-se como loucos, que acabaram babados, deitados numa cama, não como tio e sobrinha, mas como homem e mulher. Estavam apaixonados! Ninguém podia saber, mas há anos que se amavam no silêncio cúmplice de olhares culpados, lutando contra uma paixão que parecia impossível, que só para eles fazia sentido. Com a coragem da ausência, decidiram casar! A cerimónia foi na praia, simples mas melosa, com o mar como testemunha, com amorosos elefantes pulando elegantemente de nenúfar em nenúfar, cumprindo TODOS os requisitos exigidos para o casamento pela lei local! No dia a seguir, regressaram a Portugal, onde a notícia aterrou como uma bomba! Apesar de cada um deles ter uma vivenda, compraram uma nova casa, com vista sobre o mar. E foram imensamente felizes. Quase dois meses! Nesse fatídico dia, que por acaso foi de noite, pela penumbra de um sol a esgueirar-se no horizonte, o destino cruzou Dadinho com Laura, deslumbrantemente vestida com um vestido pele de leopardo, que lhe realçava o olhar de leoa. Dadinho, ficou cego de paixão e naquele instante compreendeu que estava condenado a perseguir aquela desconhecida mulher, pelos caminhos da infelicidade. Demorou um mês, mas seduziu-a. Primeiro, ofereceu-lhe várias prendas, quase todas valiosas, depois poemas e canções, três perdizes embalsamadas e finalmente, quando já pouco tinha, o seu coração! Nesse longo mês, passou o tempo numa tristeza pungente, que apenas saciava no casino, perdeu num mês toda a sua fortuna. E o que não tinha, porquanto, entre as dívidas de jogo, as prendas para Laura e as viagens de trabalho, deve 150.000 Euros. Estefânia ficou desolada! Tem 18 anos, perdeu o amor da sua vida, teme pela sua fortuna. Ainda ponderou o suicídio! Mas voltou a sorrir, quando reencontrou o amor, nos braços ternos de uma aluna de Serviço Social!