Começou a trabalhar logo que a idade lhe permitiu, amealhando todos os parcos salários, para juntando as moedinhas, custear a viagem. E quando se preparava para ir, o mundo descambou sobre ela. Uma Portaria do Ministro dos Assuntos Desinteressantes, determinou que a maioridade passava para os vinte e um anos, sendo que, ela não podia sair do País sem autorização dos pais. E jamais o pai a ia autorizar. O pai de Cornélia, Hermenegildo, Gildozinho para os mais íntimos, era um homem muito severo e tradicional, com regras muito rígidas, um verdadeiro energúmeno, se o eufemismo me é permitido. Gildozinho, que nunca saíra da sua Aldeia – excepto uma tarde que veio a Beja ao calista – crescera com a enraizada convicção de que as mulheres nunca deveriam sair do Pais, excepto com os maridos ou com os pais. Mais. Na sua aldeia, era considerado obrigatório pela população, que todas as meninas deviam passar na aldeia a primeira noite de lua cheia, de forma a preservarem a virgindade, pelo que, para o pai da nossa heroína, era impossível permitir que a sua casta filha, fosse para uma cidade com nome de perdição.
Cornélia ficou tão melancólica por o seu sonho ter sido adiado, que deixou de ver noticias e os programas da Teresa Guilherme. Por isso, não teve conhecimento de que o Decreto-Lei 110/08 de 25 de Outubro proibia as mulheres muçulmanas de votar, nem que um Regulamento Europeu determinou a licitude do casamento poligâmico. Mas, mais importante que tudo isto, Cornélia passou semanas sem ver reality shows na televisão, o que lhe trouxe imensos problemas de socialização e de integração no seu grupo de amigos, sendo hoje uma menina triste que gosta de ler, ver cinema europeu e tem a distinta lata de não beber, não consumir drogas nem comer hambúrgueres.
Quis Juris