Monday, May 22, 2006

Caso 16

Maria (chamamos-lhe simplesmente Maria para resguardar a sua privacidade) tinha apenas quinze anos. De pobres mas honradas famílias, desde petiz que descobriu a alegria do trabalho, auxiliando a sua mãe nos triviais trabalhos domésticos e na educação dos seus quatro terroristas, como carinhosamente denominava os mais jovens irmãos. A escola, desde o primeiro dia, era o seu maior prazer, o local em que procura consolo e compreensão; aprender a ler, foi o “bilhete” para conhecer o mundo pelas palavras dos seus escritores predilectos. Maria era feia. Mesmo muito feia; daquela feiura que faz realçar o que realmente importa: a sua beleza interior, os seus olhos carinhosos que espalhavam carinho pelos que com ela se cruzavam.
O sorriso permaneceu-lhe na cara até que teve de abandonar a sua pequena aldeia para estudar na cidade. Aqui, o pequeno mundo que conhecia desvaneceu-se: apesar de continuar a ser a mais brilhante das discentes, foi, desde a primeira manhã o alvo preferencial do escárnio das colegas; especialmente três delas – a esbelta Anabela, filha do Presidente da Câmara, a espampanante Vanessa, filha do maior empresário local e a rebelde Elsa, filha da Presidente do Conselho Directivo – que a adoptaram como alvo preferencial de todas as brincadeiras estúpidas e humilhantes.
Dia após dia, mês após mês, ano após ano, não passava uma manhã sem que Maria fosse humilhada pelas colegas: as roupas pobres, o cabelo cuidado em casa, a forma aldeã de falar, o peso, a timidez, os pequenos gestos de carinho para os menos afortunados, eram alvo das mais imbecis e cruéis piadas; quando Maria conseguiu criar uma couraça para as piadas, iniciaram-se as agressões físicas, sendo Maria, por algumas vezes espancada pelas três colegas, facto que era do conhecimento da professora de educação física que, não obstante assistir, nada fez para impedir as agressões. Certo dia, depois de Maria ter feito um golo no jogo de andebol e enquanto tomava um duche, roubaram-lhes as roupas, tendo-a obrigado a percorrer desnudada boa parte da escola, facto do conhecimento da professora de educação física.
As constantes e ininterruptas acções das suas colegas, provocaram profundas alterações em Maria, que perdeu a capacidade de sorrir e sonhar; o que outrora era o seu maior prazer – ir para a escola – era agora o seu maior tormento. Com o passar do tempo, Maria tornou-se uma adolescente triste, complexada, fechada num mundo muito seu incapaz de encontrar o sol da vida. Os pais, que desconheciam os motivos, viam-se impotentes para inverter a tristeza que percorria a filha.
Na semana antes da Páscoa, quando em Informática aprendiam os meandros da Internet, as três colegas fizeram uma montagem de fotografias pornográficas, colocando o rosto de Maria e difundiram um site com as fotos por entre toda a comunidade escolar.
Maria teve conhecimento no intervalo das 10.20; diz quem assistiu que viu cada uma das fotos num impenetrável e inexpressivo silêncio, não esboçando qualquer reacção. Depois saiu da biblioteca; ninguém a viu ultrapassar o portão da escola, ninguém a viu aproximar-se da ponte: sabe-se apenas que se aproximavam as onze horas quando o corpo desamparado embateu no asfalto da estrada, depois de um salto de mais de trinta metros.
Passaram alguns meses; os pais, apoiados pelos vizinhos da aldeia, pretendem processar as três jovens, a professora de educação física e a escola, pelo suicídio de Maria. Podem faze-lo?

No comments: